O que você está disposto a perder?

“Se vocês não querem nos ouvir, então não vão nos ver”

*Joceline Gomes

“Quando se fala sobre querer mudança, temos que nos perguntar: o que estamos dispostos a perder?” A pergunta feita pela repórter do Milwaukee Bucks, Zora Stephenson, é parte de um discurso memorável feito nesta quarta-feira, dia em que grandes times de basquete da NBA (liga norte-americana) resolveram boicotar os jogos em protesto por mais uma pessoa preta baleada pelas costas sem motivo nenhum a não ser racismo. O vídeo já rodou a internet e eu não quero que vocês vão atrás dele. É perturbador. Jacob Blake levou três tiros pelas costas na frente de seus filhos. A dor de escrever essa frase já é suficientemente grande para mim e eu não aguento mais ouvir, ver e falar sobre essa violência.

Mas este texto é sobre: o que você está disposto a perder para ver mudanças? Jogadores de Milwaukee Bucks, Orlando Magic, Oklahoma City Thunder, Houston Rockets, Los Angeles Lakers e Portland Trail Blazers decidiram boicotar os jogos e correm muitos riscos em relação a patrocinadores, investidores, torcedores… Colin Kaepernick fez um protesto silencioso contra a brutalidade racial em 2016, ajoelhando durante a execução do hino nacional norte-americano, e foi completamente rechaçado pelos times e pelo público, e hoje não joga mais. Nina Simone começou a se posicionar pelos direitos civis dos negros norte-americanos na década de 1960 e ficou sem se apresentar e, consequentemente, sem dinheiro, pois a indústria fonográfica branca não a contratava mais. Dei exemplos norte-americanos porque foram os que me vieram à mente, mas podemos encontrar exemplos parecidos em todos os lugares do mundo que tenham pessoas pretas. Contratos, reputações, inclusive vidas se perdem quando você decide se posicionar contra o racismo.

Quem acha que vai ficar rico com militância, achou errado. É mais sobre abrir mão do que ganhar. Anin Urasse publicou ontem mesmo que: “Militar não é um mérito. Militar é, na realidade, uma obrigação. A gente milita pra não morrer de dor. Porque não aguenta ver nosso povo na situação que está. Pela nossa libertação. Isso não tem a ver com formar divas pop. Com enriquecer. (Aliás, na maioria das vezes significa, sim, perda de dinheiro)”. Em um texto mais antigo, ela escreveu que nós devemos investir no nosso povo, tirar do nosso próprio bolso pra custear aquilo que nós acreditamos que seja o melhor para nossa comunidade.

Se você quer ganhar dinheiro em cima do nosso sofrimento, você é parte do problema. Enquanto há aqueles que estão dispostos a se arriscar para se posicionar pelo seu povo, há aqueles que querem lucrar em cima de nós mas não aguentam ouvir uma meia dúzia de verdades. Enquanto há aqueles que querem ficar ricos usando nossa cultura sem devolver nada para a comunidade, há aqueles que tiram dinheiro de onde já não tem pra promover a autonomia da população preta.

“Pegue o seu melhor talento e coloque a serviço do seu povo”, já dizia John Henrik Clarke. E você, de que lado que você samba?

*Joceline Gomes é jornalista, professora de dança, e continua perdendo dinheiro e contratos por causa da militância.